domingo, 5 de junho de 2011

A EMPADA E A AZEITONA - Ro9lf Kuntz, Estadão

O ministro da Educação, Fernando Haddad, foi ao Senado, ontem, para discutir as últimas grandes bobagens de seu Ministério e, portanto, para mais uma grande sessão de perda de tempo. Ele só foi convidado porque sua pasta, como tantos outros setores da administração federal, continua gastando energia e dinheiro com assuntos e objetivos errados. No Brasil, fala-se muito sobre a azeitona e cuida-se pouco da empada. Briga-se muito por um Código Florestal, enquanto defensores da floresta são assassinados. Mata-se à vontade, porque um Código muito mais importante, o Penal, pouco vale neste país. Encoraja-se o crime, porque outro Código, o de Processo, permite postergar por 11 anos a prisão de um assassino confesso. A ineficácia da lei penal, a persistência dos baixos padrões educacionais, a transformação do magistério em profissão de risco, os orçamentos de mentira e as tantas outras aberrações tipicamente brasileiras são sinais da mesma enfermidade.

O País paga caro por essa doença – a incapacidade crônica de dar prioridade às coisas mais importantes. Esse é o caso da educação. O Brasil entrou no clube das dez maiores economias. Só manterá essa conquista se der muito mais atenção a algumas condições fundamentais. Essas condições só podem ser muito ruins, num país classificado entre os últimos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Em 2009, os estudantes brasileiros ficaram em 53.º lugar no exame de leitura, em 57.º no teste de Matemática e em 53.º na prova de Ciências. Participaram representantes de 65 países.

Será muito difícil uma classificação melhor, se as crianças brasileiras forem à escola para se acomodar no padrão do nóis fala assim memo, defendido pelos gênios da educação nacional. E isso é só uma parte da história. Crianças bem alfabetizadas, estimuladas a ler, bem treinadas em Matemática e familiarizadas com as Ciências provavelmente serão mais propensas a pensar com liberdade, a entender e a aceitar as diferenças e agir com civilidade e respeito. Essas qualidades serão realçadas se os alunos puderem aprender muito mais do que hoje sobre a história e a organização social e política de seu país – como se aprendia, antigamente, nas escolhas públicas. No Ministério da Educação, prefere-se gastar tempo e dinheiro com um kit anti-homofobia rejeitado pela presidente Dilma Rousseff. Não se trata, segundo ela, de um kit educativo, mas de propaganda de uma orientação sexual. Mais um erro, portanto, de um Ministério marcado por numerosas trapalhadas e provas de incompetência.

As falhas vêm de longe e foram estimuladas por oito anos de intensa demagogia. Cuidou-se de ampliar as portas do chamado ensino superior, como se a dificuldade de acesso às faculdades fosse o grande problema educacional. Não era nem podia ser o grande problema. Em 2009, apenas 50,9% dos jovens de 15 a 17 anos estavam matriculados em cursos compatíveis com sua idade. Essa era a média nacional. No Nordeste, apenas 39,2% frequentavam as séries adequadas. Mesmo no Sudeste, onde foram encontradas as melhores proporções, a taxa de escolarização líquida dos adolescentes daquela faixa era de apenas 60,5%. Repetência, ingresso tardio e dificuldades para avançar nos primeiros anos do ensino foram as explicações apontadas na pesquisa do IBGE. Entre 1999 e 2009, o número de anos de estudo das crianças de 14 anos pouco aumentou: passou de 5 para apenas 5,8.

No Brasil, só 37,9% dos jovens entre 18 e 24 anos tinham completado pelo menos 11 anos de estudos. Técnicos da Comissão Europeia tomam esse nível de escolaridade para avaliar a eficiência educacional de um país e sua capacidade de combater a pobreza. O Brasil obviamente vai muito mal nesse quesito, embora tenha havido melhoras em dez anos. Será necessário um avanço muito maior para se chegar a uma situação parecida com a de economias mais competitivas. Mas essas economias provavelmente continuarão progredindo e, portanto, o Brasil terá de realizar um esforço muito maior. Isso será impossível, se as prioridades atuais forem mantidas.

A presidente Dilma Rousseff parece haver percebido algumas das maiores bobagens educacionais. Isso deve explicar seu interesse em investir mais em formação técnica e, além disso, no treinamento para facilitar a saída do programa Bolsa-Família. Se essas mudanças ocorrerem, a demagogia será em parte substituída por políticas eficazes. Mas a vocação para errar o alvo é bem espalhada entre os Poderes da República. A revista Veja mostrou a favelização da periferia de Boa Vista, uma consequência da expulsão, pelo Judiciário, dos fazendeiros da Reserva Raposa-Serra do Sol. Com eles, foram-se muitos trabalhadores das fazendas. Não faltam companheiros ilustres ao ministro da Educação.

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