quarta-feira, 23 de março de 2011

SONHO DA ULTIMA NOITE DE VERÃO - Bob Jefferson

Sonho da última noite de verão
Roberto Jefferson no jornal "Brasil Econômico".
O assunto deste fim de semana pós-carnaval foi a visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil. Para quem esperava anúncios de grandes acordos nas áreas econômica e diplomática, a passagem dele por Brasília e Rio de Janeiro foi o anticlímax. Se formos contabilizar o significado imediato dos acordos assinados, o valor talvez seja inferior ao que foi gasto com a viagem, incluindo helicópteros, carros, segurança etc. Mas não é isso o que importa.Muita gente observou, de passagem, que os protagonistas do evento eram Dilma, a primeira mulher a presidir o Brasil, e Obama, o primeiro negro a governar os EUA; este tendo por coadjuvante a primeira dama mais expressiva desde Jackeline Kennedy. Mas como diria Nelson Rodrigues, "até aí morreu Neves".A visita foi essencialmente simbólica, até pelo pequeno impacto dos acordos assinados, como já mencionei. Tenho a impressão, porém, que esse aspecto simbólico foi subestimado, apesar de toda a cobertura da imprensa. De minha parte, me atrevo a dizer que o encontro dos dois governantes é um marco na história das Américas. Nunca este continente os dois maiores países tiveram governantes mulheres ou negros.Em termos de idade, situo-me quase exatamente entre os dois. Não vou cometer a indelicadeza de dizer quem é o mais velho, mas me permito dizer que quem nasceu na década de 1950 e adjacências, como nós, é da mesma geração, a dos que foram crianças na época de crescimento acelerado dos dois países, com o "baby boom" nos EUA e o desenvolvimentismo no Brasil. Foram períodos de grandes esperanças econômicas e sociais, mas politicamente, de radicalização. Quem diria, há 40 anos ou pouco mais, que uma Dilma ou um Obama estariam nos cargos que hoje ocupam? Quando adolescentes, se um deles dissesse que pensava "ser presidente da república", certamente seria tratado com a benevolência com que se encaravam os jovens de sonhos irrealizáveis. E, no entanto, aí estão. De um lado, o Obama que disse que Lula era "o cara", quando "o cara" é ele próprio. De outro, a Dilma que já tocava o governo Lula e agora reconhecidamente é "o governo". Lado a lado, Dilma e Obama usavam o aveludado linguajar diplomático, mas não eram ventríloquos. Falavam inequivocamente por si e por seus respectivos países. Quanta coisa teve que mudar e deixar de ser pecado ao norte e ao sul do equador para que isso acontecesse!Os chineses talvez vissem as imagens e filosofassem: "Vivemos tempos interessantes". Menos reflexivo, prefiro lembrar que essa singularidade histórica levou 500 anos para acontecer e pensar no futuro. Esse encontro não pode ser uma coisa fortuita e circunstancial. Isso tem que passar a fazer parte da realidade, não porque sejam uma mulher e um negro, não pela singularidade, mas pelo que ambos têm de universal, que é a condição humana e suas potencialidades para além de gêneros e raças.Que tal imaginarmos por um instante o dia em que aconteça o contrário e o Brasil tenha um negro no Planalto e os EUA uma mulher na Casa Branca, ou, em qualquer caso, uma pessoa de origem asiática, ou indígena, ou um homem branco, sem que isso seja símbolo de poder. Que signifique que essa pessoa é apenas um norte ou um sul-americano, escolhido por seus conterrâneos para governar com honestidade e competência. Quem sabe isso não seja um sonho da última noite deste verão.

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